Os direitos autorais da trilha sonora de obras audiovisuais

By on abril 18, 2012 in Neurobusiness with 0 Comments

É célebre o caso ocorrido durante a produção da obra audiovisual “Um Barco e Nove Destinos” (1944), em que o diretor Alfred Hitchcock disse que não incluiria trilha sonora no filme, questionando-se de onde viria a música, já que os personagens estariam em um bote salva-vidas em alto-mar. Ao saber do comentário, o compositor David Raksin retrucou, pedindo a Hitchcock que lhe dissesse de onde vêm as câmeras, que ele diria de onde vem a música.

Esse caso bem revela a importância da trilha sonora, que vem abrilhantar a história do filme, as cores e as emoções nele expressadas, como um dos seus elementos principais, de modo que é raro um diretor optar por deixá-la de lado. A despeito de seu primeiro comentário, Hitchcock acabou por incluir música no filme mencionado.

Assim como nas demais contribuições artístico-criativas envolvidas na produção de um filme, é imprescindível a cautela com relação aos direitos de autor decorrentes da trilha sonora, tanto nas trilhas originais, com músicas especialmente criadas para o filme, como naquelas que envolvem músicas preexistentes e/ou já gravadas. Independente de ser original ou não, o cronograma para a contratação de profissional especializado para a criação da trilha sonora deve estar em compasso com o cronograma geral de produção do filme, para que a atuação das demais equipes de produção não seja de qualquer forma obstada ou atrapalhada. Ademais, em ambos os casos, devem ser fornecidos ao criador da trilha sonora elementos para viabilizar seu trabalho, como o roteiro da obra e até mesmo cenas, para que possa captar a essência das emoções a serem transmitidas pela música.

Trataremos inicialmente das trilhas sonoras compostas de músicas preexistentes, já gravadas ou não. Em caso de músicas gravadas, tecnicamente chamadas “fonogramas”, existem três esferas de direitos autorais envolvidas, a saber: o direito autoral do compositor da música; o direito conexo de autor dos cantores e músicos (intérpretes e executantes); e direito conexo de autor do produtor fonográfico, isto é, da gravadora/selo que foi a responsável financeira pela gravação da música em suporte material. Para que tais fonogramas possam ser sincronizados no filme, faz-se necessário o trabalho de clearance, isto é, a identificação dos titulares de direitos autorais, com a posterior negociação para se obter a autorização para utilizar o fonograma no filme. Via de regra, os direitos autorais estão sob domínio de uma editora musical, ao passo que todos os direitos conexos estão com a produtora fonográfica.

Assim, devem ser obtidas as autorizações desses titulares de direitos, contemplando todas as utilizações que se pretende dar no filme. Recomendamos que o trabalho de clearance seja iniciado com uma folga temporal considerável, pois tais procedimentos podem ser bastante demorados, de forma que se corre o risco de não ter todas as liberações de direitos autorais em mãos quando do momento da sincronização da trilha.
Com relação à trilha sonora original, cuidados maiores devem ser tomados, uma vez que caberá ao produtor a contratação de profissionais criativos e técnicos para a elaboração do conteúdo exclusivo para o filme. Por um lado, a trilha sonora poderá ser muito mais correlata com o roteiro e com as demais contribuições artísticas no âmbito do filme; por outro, o procedimento se torna mais complexo, pois a parte de produção fonográfica (fixação, masterização, mixagem e finalização) será contratada e custeada pelo produtor. Com relação à criação das músicas, é altamente recomendável que todos os profissionais envolvidos cedam seus direitos autorais (compositor, arranjador, regente) e/ou conexos de autor (músicos e cantores) no âmbito do contrato de prestação de serviços.

Para a segurança de todos os envolvidos e para evitar qualquer sorte de desentendimentos, é melhor que esteja consignado que as criações podem ser utilizadas no todo ou em trechos e que fique claro que poderão ser solicitadas ao profissional-artista alterações para maior adaptação ao filme ou modificações a determinado critério do diretor, na qualidade de autor do conjunto de contribuições que é o filme. Tal contrato de cessão deverá contemplar todas as formas de utilização no filme, conforme já dito acima. Caso sejam utilizadas músicas preexistentes, mas que serão gravadas para o filme, deve ser observado o procedimento de clearance ora mencionado.

Por fim, destacamos que a preocupação com a trilha sonora não se finaliza com a liberação de direitos autorais e a sincronização do filme. Com a exibição do filme para o público em locais de freqüência coletiva mediante a cobrança ou não de ingressos, ocorre a “execução pública” das músicas da trilha (artigo 68, § 2º da Lei 9610/98 – Lei de Direitos Autorais). Por isso, o exibidor do filme deverá obter a prévia e expressa autorização do ECAD para exibir o filme, pagando-lhe ainda os direitos devidos pela execução pública.

Em caso de cobrança de ingressos, o valor pago será de 2,5% sobre a renda bruta auferida com a exibição. Se não forem cobrados ingressos, normalmente será pago o valor de 2,70 UDA (Unidade de Direito Autoral, definida pelo ECAD e reajustada anualmente) para cada 10 m². Nesse último caso, o ECAD pode cobrar valores menores dependendo da natureza da exibição (beneficente, por exemplo).

Com as cautelas básicas mencionadas neste artigo, a produção de trilha sonora pode se tornar uma etapa mais artística e sensível, mitigando as preocupações que podem girar em torno da regulação de direitos e, posteriormente, da exibição do filme.

Referencia:

Fernanda Esperança, especializada em Direitos Autorais e Direito de Entretenimento.

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About the Author: É Neurocientista, Palestrante, Yoguini, Influenciadora Digital e Produtora de eventos na Círculo Produções (http://www.circuloproducoes.com). Já foi Dj, dona de loja, garçonete, assistente de cobrança, vendedora, professora de universidade, webdesigner, fotógrafa, especialista em logística de piloto e dona de Club. Ama a música, o cérebro, o universo, a ciência e escrever. .

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