A Neurociência da desigualdade de gênero
O momento atual pede enfrentamento quando o assunto é o de estudos de gênero. Casos de violência contra as mulheres aumentaram muito por conta da quarentena. Como mulher, por já ter passado por inúmeras situações de abuso e constrangimento, me sinto na obrigação de falar sobre o assunto que, infelizmente continua a ser uma realidade no nosso dia a dia. Como uma neurocientista, decidi explorar melhor e procurar entender como o nosso cérebro funciona numa sociedade baseada no patriarcado. Sim. Precisamos falar sobre esse assunto!
Segundo Yuvan Nori Harari, com a Revolução Agrícola (ou seja, quando o homo sapiens deixou de ser um caçador coletor e passou a se organizar em redes de cooperação em massa), os humanos criaram ordens imaginadas e desenvolveram sistemas de escrita. Essas ordens imaginadas dividiu as pessoas em pretensos grupos de privilégios e poder, enquanto os considerados inferiores sofriam discriminação e opressão. Diferentes sociedades adotaram diferentes tipos de hierarquias imaginadas e, desde então, o patriarcado tem sido a norma em quase todas as sociedades agrícolas e industriais.
A história vai muito além da dominação do homem em relação a mulher. A discriminação acontece também em relação a diferentes raças, etnias e mesmo na questão de diversidade de gêneros. O assunto é bastante complexo e vou me ater aqui apenas à questão da desigualdade de gênero entre homem e mulher, mas a realidade é que muitas vezes, o que é biologicamente determinado é bem diferente do que as pessoas usam para justificar algo que é basicamente, social. A biologia está disposta a tolerar um leque muito amplo de possibilidades. É a sociedade que obriga as pessoas a concretizar algumas possibilidades e proibir outras. Sim, o conceito de gênero é uma construção social.
O reflexo de uma sociedade Patriarcal vai além do homem ter mais privilégios e poder. Ela se reflete na sociedade como um todo, que tem como lema a individualidade, a busca incessante por obter bens materiais, a competição e a resolução de problemas com base na força e na ação. Além do mais é um problema que também afeta os homens, pois aqueles que não seguem a postura tradicional do que se entende por “masculina” (macho alfa, musculoso, etc..) são ridicularizados e julgados inferiores.
Com o estudo da neurociência, é possível verificar como essas crenças afetam nossas escolhas no nosso dia a dia. Apesar de acharmos que tomamos decisões conscientemente, grande parte dos processos cerebrais que nos levam a tomar uma decisão são inconscientes e isso é extremamente necessário para que possamos tomar uma decisão rápida. Nosso cérebro “guarda em seu HD” associações, experiências e memórias às quais fomos adquirindo no decorrer das nossas vidas. O cérebro não julga essas informações como certas ou erradas, apenas as armazena de acordo com o que recebe do ambiente, para que possa processá-las mais rapidamente e utilizar menos energia.
Alguns estudos, envolvendo homens e mulheres apontam que 90% das pessoas tendem a associar palavras como força e liderança aos homens e fragilidade e amorosidade à mulheres e, mesmo com estudos afirmando que não há diferença de gênero no aprendizado de uma disciplina escolar, como a matemática, ainda assim, somos levados a crer que homens são melhores do que mulheres em algumas áreas acadêmicas. Isso, somente para dar um exemplo.
Essas percepções fazem parte de nós e influenciam nossas escolhas o tempo inteiro. Quantas vezes não olhamos uma foto de uma mulher mostrando o abdômen e pensamos: “nossa, mas pra quem será que ela fez essa foto?”. A mídia tampouco ajuda. Trata o corpo das mulheres como um objeto e enaltece os homens e suas competências como se as mulheres, a parte de seus corpos não tivessem nada mais a oferecer.
Ter consciência que o meio nos influencia dessa forma e observar nosso ambiente, nossas ações e julgamentos, faz com que tenhamos o entendimento de como somos influenciados por nosso meio. Muitas vezes, não nos daremos conta ou perceberemos tarde demais, mas essa é a chave para a mudança. Ela começa pequena, mas conforme vamos nos dando conta, desconstruindo nossos pré-conceitos e mudando nossa atitude, aos poucos isso reflete no outro, e no outro, e no outro, como uma corrente que fará desse mundo um lugar melhor, com menos ódio, preconceito e discriminação.
Referências: